]
A história de Eduardo, que aprendeu a nadar e está feliz!
No dia 2 de abril, é celebrado o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo, que será lembrado no Brasil com a iluminação azul de uma série de monumentos, entre eles, o Cristo Redentor, no RJ. Estima-se que 2 milhões de brasileiros possuam a doença
andrea.alves@jcruzeiro.com.br
Eduardo teve um desenvolvimento normal até os 18 meses, quando começou a se mostrar mais fechado, mais quieto, menos sorridente, mais nervoso, não respondia à mãe e nem a chamava, começou a ficar muito agitado. Agarrava-se ao banco do carro porque não queria mais entrar na escola e não atendia aos pedidos dos pais para que parasse de jogar todos os objetos da casa na piscina. "Eu comecei a comprar livros de Içami Tiba, filmes de Super Nanny porque achava que eu estava fazendo algo errado. Mas nada dava certo e eu comecei a sentir algo diferente. No começo pensamos, eu e meu marido, que podia ser ciúmes pelo nascimento da irmã, mas não duraria tanto assim, nem seria daquele jeito. Um dia, durante o banho, eu disse para meu marido que ele era especial". Dando espaço para a intuição, Cristiane Soriano e Humberto Cenci Guimarães buscaram entender o que estava acontecendo.
Enfrentaram uma verdadeira maratona para descobrir porque Eduardo começara a apresentar comportamentos diferentes. Graças novamente à intuição apurada e aflorada de Cristiane - "não ia com a cara dos médicos, achava que eles estavam pedindo exames errados e falando besteira" - chegaram a visitar seis especialistas, desde fonoaudiólogo, que mandou o menino usar aparelho de audição, até neurologistas e otorrinos. A sétima profissional procurada, uma neuropediatra, percebeu os traços de autismo em Eduardo. A partir dessa suspeita, receberam, por indicação da médica, a visita de uma terapeuta. "Guardei na cabeça todas as perguntas que ela fez e depois joguei no Google. Falei para meu marido: Humberto, o Eduardo é autista. Choramos e pensamos: então vamos tratar".
Antes mesmo de ter o diagnóstico fechado de fato, o que aconteceu com a emissão de um laudo psiquiátrico em outubro de 2011, eles já deram início ao tratamento com fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, equoterapia. "Quando começou o tratamento medicamentoso com a psiquiatra, para ampliar sua capacidade de concentração, Eduardo já estava bem melhor, mais tranquilo, menos agressivo". Foi um árduo caminho, ela diz, e são essas dificuldades que a motivaram a contar tudo isso. "Quero que as pessoas saibam sobre o autismo, que a mídia fale mais sobre isso, quero que as pessoas não sofram como eu sofri com a demora para saber o que meu filho tinha".
Família e Escola
Eduardo é o terceiro filho de Cristiane, mãe também da Gabriela, 12, do Maurício, 6, da Regina, 2 anos e de um bebê que ainda está dentro da barriga. Quando recebeu o diagnóstico, Cristiane e Humberto apresentaram aos filhos um filminho da Turma da Mônica sobre o André, personagem autista criado por Maurício de Sousa. Agora, o filho Maurício, conta Cristiane, veste a camisa do autismo, diz que o irmão é autista, que ele vai ser famoso porque vai fazer coisas muito legais e que o irmão vai melhorar porque ele vai ajudar. "As terapeutas falam que o Eduardo melhorou bastante por ter muitos irmãos, ser muito estimulado".
É tanto estímulo que a fonoaudióloga sugeriu que a família se segurasse um pouco para experimentar a reação de Eduardo diante do silêncio da turma. "Esses dias, ele fez xixi no banheiro, lugar onde tinha medo de entrar, e todo mundo foi lá dentro ver e comemorar, gritando viva. Parecia um bando de loucos". Tudo isso enquanto a Regina, a mais novinha dava parabéns ao irmão por sua conquista. Escola foi um capítulo à parte durante a trajetória percorrida.
"A direção da escola me chamou uma vez porque o Eduardo começou a apresentar um comportamento diferente. Depois de alguns acontecimentos, eu vi que a presença dele não era muito desejada lá. Nunca falaram que não queriam meu filho na escola, mas a gente sabe quando não é bem vindo. Sabe quando você vai a uma festa e sente que sua presença incomoda? O que você faz? Vai embora!", diz ela com um tom de riso na voz sobre esse momento que na verdade foi muito mais difícil que receber o diagnóstico do autismo. "Foi muito dolorido tirar o Eduardo da escola porque o que mais precisávamos naquele momento era que fôssemos acolhidos, que recebêssemos cuidados".
Cristiane teve medo de colocar Eduardo na escola novamente, mas essa foi uma recomendação médica para ajudar no desenvolvimento do processo de socialização. Mais uma vez foi a intuição - "e a voz de Deus" - que a levou pelo melhor caminho. "Vi algumas escolas que gostei, mas não tinha ensino para os mais velhos, algumas eu não fui com a cara mesmo. Até que lembrei de uma escola, ninguém me recomendou. Fui conhecer, gostei e levei o laudo da psiquiatra. Para minha surpresa, a coordenação da escola infantil me ligou no outro dia dizendo que não seria fácil, seria um desafio para eles e para nós, mas que queriam o Eduardo lá. Gostei dessa postura". Foi uma choradeira na casa quando os filhos souberam sobre a mudança para uma nova escola. "Mas eu disse que eles tinham que estudar onde o irmão fosse aceito".
No primeiro dia na nova escola, Cristiane ficou plantada ao lado do telefone, já que terapeutas e médicos achavam que Eduardo ficaria apenas uma horinha. O telefone, no entanto, não tocou e pai e mãe comemoraram o fato de Eduardo ter ficado a manhã toda na escola. Desde então, ele só tem apresentado melhoras e os pais sentem-se cada vez mais acolhidos pela equipe escolar. "O Eduardo agora senta no meu colo, peço um beijo e ele me dá, esconde-se para brincar e me chama de mama. Nessa hora eu choro", confessa.
Choradeira na família aconteceu no dia 29 de fevereiro, quando Eduardo completou 4 anos e acordou sabendo que aquele era o dia do seu aniversário. Cristiane diz que agora o filho tem mais consciência de quem é, de que é alguém e mostra um comparativo dos desenhos do Eduardo que estão colados num caderno, na verdade um diário em que todos os dias, religiosamente, ela registra os avanços e as conquistas. "Eu escrevo para que os terapeutas possam acompanhar e eles (os profissionais) também escrevem alguns registros nesse diário".
Os desafios de cada etapa
Cristiane e Humberto também passaram pela difícil fase de questionar como ficaria Eduardo diante de uma falta dos pais. "A gente chegou a pensar como ficaria Eduardo se nós morrêssemos hoje. Mas essa pergunta foi deixada de lado, não tem mais espaço porque estamos vivendo o presente e lutando para que o Eduardo seja o mais independente possível. Ele tem perspectiva e vai conseguir. Não vou desistir". A família também teve que aprender a lidar com a reação das pessoas, como a vez em que Eduardo ficou com medo de entrar no elevador. "Ele chorou, jogou meus óculos longe e se jogou no chão. Quando consegui entrar com ele no elevador, uma senhora ficou dizendo a ele que era muito mal educado e precisava se comportar".
A mãe do Eduardo conseguiu uma proeza que muitas mulheres no seu lugar não conseguiriam. Ficou em silêncio. Atendeu um pedido da fonoaudióloga que ficasse quieta em momentos como esse para dar chance ao Eduardo de reagir espontaneamente, se assim tiver vontade. "Isso é difícil, a Gabi (a filha mais velha, de 12 anos) ficava muito nervosa, mas ser humano é bobo mesmo. Faz julgamentos das coisas sem saber". Seguindo mais uma vez o conselho dos profissionais, às pessoas que mexem ou conversam com Eduardo ela diz: "ele é autista, talvez não responda você, mas pode continuar conversando porque ele vai entender tudo".
Em muitas conversas com pais de outras crianças com autismo, Cristiane percebeu a triste realidade da desistência. "Tem pai e mãe que desistem, mas não podem. Se eu não tivesse seguido o tratamento à risca, meu filho teria se fechado cada vez mais. Tem que ter paciência porque o resultado demora mesmo. Foram 10 meses de tratamento para o Eduardo voltar a sorrir".
Crescimento
Para o casal, que distribui o mesmo tratamento a todos os filhos, olhar para a criança autista como "um estranho, um esquisito", não ajuda nem um pouco. "Todo mundo é diferente e quanto à perfeição, o que é a perfeição? Isso não existe. Além do mais, podíamos parar de dizer que criança com autismo precisa de atenção. Toda criança precisa de amor, de atenção, de base. Acho que hoje em dia falta muito amor para muitas crianças".
Toda a energia empreendida pelo casal, eles dizem, tem o mesmo objetivo para todos os filhos: o bem estar e a felicidade deles. "Eu não tenho pretensão nenhuma para meus filhos. Não sonho que sejam doutores, sonho que sejam felizes fazendo o que gostam, seja lá o que for isso. Que adianta ser doutor, estudar pra ser médico e um dia parar num camburão de polícia. Para com isso. As pessoas querem acumular bens hoje em dia. Eu quero que sejam bons e felizes", comentou com sua voz sempre calma, com sua fala lenta que sempre traz uma risada em cada frase.
Não é fácil chegar a essa maturidade, admite Cristiane, mas a espiritualidade teve um papel fundamental. "Sempre participamos de atividades na igreja, fizemos cursos e isso nos ajudou muito a ter equilíbrio, a nos fortalecer". Cristiane e Humberto acreditam que Deus colocou na vida deles pessoas certas nas horas em que mais precisaram e celebram o resultado do empenho da família e dos profissionais. Eduardo, que também aprendeu a nadar, está feliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário